Apesar de não ter freqüentado cursos de Administração, Gestão de Negócios ou similares, o fato de trabalhar em empresas da iniciativa privada, que pela essência do capitalismo são orientadas pela obtenção de lucros, e de ser cobrado por resultados, faz com que tenhamos uma certa noção a respeito do tema. Isto nos permite fazer certas análises, e faz com que possamos ver algumas coisas por uma ótica diferente.
Baseado nisso, gostaria de fazer alguns paralelos.
A padaria do seu bairro, qual o seu produto? O que ela vende?
Pãozinho? Correto.
E quem são seus clientes?
Quem compra o pãozinho no balcão da padaria? Correto.
Quem paga pelo pãozinho é o cliente, e enquanto este sujeito estiver satisfeito, suas necessidades sejam atendidas ou até superadas, ele continuará a comprar pãozinho, garantindo a lucratividade da padaria e o futuro do negócio.
Uma empresa que fabrica ônibus, qual o seu produto? O que ela vende?
Ônibus? Correto.
E quem são seus clientes?
Os passageiros? Errado.
Apesar de serem usuários finais e desfrutarem dos predicados ou sofrerem com os defeitos do produto da fábrica de ônibus, o cliente da fábrica é a empresa de ônibus.
Quem paga pelo ônibus é a empresa de ônibus, porém o fabricante deve estar preocupado não apenas com o seu cliente direto, mas também com o usuário final do seu produto, que é o passageiro, o cliente do seu cliente. Desta forma, se a empresa de ônibus prospera, ela volta a comprar mais ônibus, garantindo a lucratividade e a manutenção do negócio do fabricante.
Parece complicado? Então vamos ao próximo cenário.
Uma escola técnica, um curso profissionalizante, ou uma universidade, qual o seu produto?
Diplomas? Certificados? Errado.
E quem são seus clientes?
Os estudantes, que buscam as salas de aula dessas instituições para obter seus certificados e poder se lançar ao mercado de trabalho? Errado.
Aqui neste ponto eu tenho a impressão de que há uma inversão de valores.
No meu entendimento, o produto dessas instituições não são os diplomas, mas os profissionais formados por ela, e seus clientes na verdade são as empresas, é o mercado de trabalho. Os estudantes são a matéria-prima, que a escola vai transformar, agregar valor, até obter o produto final.
Um produto bom é um profissional qualificado. Se a instituição fornecer um produto bom, de qualidade, o mercado de trabalho gosta, e volta pedindo por mais produtos, à procura de mais profissionais egressos destas instituições. A reputação das instituições chama a atenção dos estudantes e estes a procuram em busca de formação, qualificação, fechando o ciclo.
Então, para garantir a manutenção do negócio destas escolas elas precisam ter o foco no mercado, analisar o que os clientes buscam, quais suas necessidades e anseios para então atrair mais estudantes e fazer a roda girar. O trabalho da escola não deveria acabar no momento em que o formando recebe o seu diploma, é necessário um trabalho de identificação da resposta do mercado ao seu produto, uma espécie de pós-vendas, para saber se está na direção correta ou não.
Uma pergunta que eu sempre fiz é, porque tem tanto engenheiro trabalhando no mercado financeiro, uma área onde deveriam reinar economistas, contadores e administradores de empresas?
Bem, a resposta que eu sempre ouvi foi a de que os engenheiros teriam mais habilidade para lidar com números, análises de cenários e tomadas de decisão. Mas no meu entendimento existem pelo menos outras duas respostas para esta pergunta.
A primeira delas é que as escolas de engenharia não estão sabendo adequar o seu volume de produção à demanda do mercado, como se o padeiro produzisse mais pãezinhos do que a vizinhança está consumindo. Resultado disso é que o pãozinho acaba sendo reciclado, põe um recheio, uma cobertura, serve gelado, tenta dar outro sabor, mas no fundo é um pãozinho.
A segunda alternativa é que as escolas de economia, contabilidade e administração não estão sabendo ouvir o que o mercado está pedindo, o cliente pede pão com gergelim mas na hora que sai a fornada vai lá e só encontra o mesmo pãozinho de sempre.
Outra pergunta, porque o índice de aprovação no exame da OAB é tão baixo?
É como se um cliente exigente chegasse na padaria e dissesse, eu compro toda a sua produção, pago o preço que for, mas os pães têm que ser clarinhos, não podem passar do ponto. O problema é que o nosso padeiro tem um forno a lenha e com o termômetro quebrado, ele só tira uma fornada quando começa a sentir o cheiro de pão queimado. Aí ele começa a separar os pães claros dos assados no ponto e dos queimados. Resultado disso, aquele cliente exigente chega com o caminhão para buscar a produção e acaba levando só meia dúzia. Uma outra porção de pães, aqueles que ficaram assados no ponto ainda acabam tendo colocação no mercado, para o cliente comum, a um preço irrisório. Mas a maioria dos pães está queimada e não têm valor comercial.
Imagine então o dia em que o padeiro resfriado, com o nariz entupido não sente o cheiro do pão assado. Para onde irá a produção dele?
Nos três exemplos do pãozinho, se o padeiro não se adequasse àquilo que o mercado está pedindo seu negócio estaria fadado a ruir. Agora vamos imaginar uma situação em que quem paga a conta do pãozinho não é o cliente que vem comprar no balcão, esse chega leva e não dá satisfação, o padeiro não está preocupado porque na verdade quem paga toda a despesa da padaria e ainda garante o seu lucro no negócio é o fornecedor de matéria-prima. Todo dia chega um caminhão de farinha, descarrega na padaria e vai pagando a conta do pãozinho enquanto a massa é preparada e assada, o pãozinho fica 15 minutos no balcão e se ninguém levar é jogado fora, porque a próxima fornada está vindo, paga pelo outro fornecedor de farinha.
Parece absurdo? Pois é, mas enquanto o estudante farinha paga a conta da universidade padaria e garante seus lucros, e o padeiro não se preocupa em assar o pão de acordo com o que o cliente mercado de trabalho está pedindo, quem leva o prejuízo é o pãozinho.
Mas como equacionar este problema? Difícil. Tentei imaginar 3 pontos:
- Metodologias de avaliação das instituições, de forma isenta, imparcial e objetiva, seja através de exames dos conselhos e entidades de classe, provões de final de curso ou outras formas, desde que bem estruturadas e unificadas permitindo a atribuição de notas e elaboração de rankings seriam uma medição da qualidade da formação profissional.
- Agências regulatórias e fiscalizadoras, como foi pensado para outros serviços básicos como telecomunicações, saúde, transportes, etc., mas com poder de fiscalização e regulação de fato, e eficiência em suas ações, viriam a auxiliar na elevação dos níveis de qualidade das instituições.
- Convênios e associações entre instituições de ensino e empresas aproximariam o cliente do fornecedor, porém na maioria das vezes essa associações dependem de um catalisador externo, papel na maioria das vezes do poder público através de seus institutos de fomento. O problema é que muitas vezes a liberação de recursos para investimento em pesquisa e desenvolvimento, por passar longe dos pilares de prioridades dos governos, acaba esbarrando em entraves burocráticos, tornando-se processos morosos e incertos, sendo que na maioria das vezes as empresas interessadas nesses convênios, devido à competitividade do mercado, não conseguem absorver os prazos dilatados e o nível de incerteza desses pedidos de financiamento e acabam buscando soluções tecnológicas prontas ou convênios com empresas e governos de outros países, transferindo a geração de conhecimento, e todos os benefícios que isso proporciona, para fora de nossas fronteiras.