O Só a Educação Salva o Brasil defende que jovens que precisem trabalhar desde cedo e por conta disso desistem de estudar tenham a mesma oportunidade daqueles que tem. Alinhado com esta idéia, segue o depoimento de um ex-estudante para reflexão.
Um dia desses eu ouvi uma música que há muito eu não ouvia e que me fez recordar os preparativos para a minha formatura, lá pelo final de 2002. Os colegas estavam preparando uma lista de músicas para tocar no momento que cada um de nós fosse receber o diploma.
Música? Tem isso? Indaguei surpreso, na posição de alguém que pela primeira vez na vida iria a uma cerimônia de formatura e esta seria logo a sua própria.
Na busca por uma música que pudesse resumir o que eu sentia naquele momento que eu estava vivendo, comecei então a relembrar todo o caminho que me conduzira até àquele momento.
Recordei-me que após concluir o segundo grau eu estava conformado com o meu emprego atrás do balcão de uma loja, tentando guardar dinheiro para comprar uma moto, ou quem sabe um fusquinha velho, e esperando o tempo necessário para tirar habilitação para dirigir carreta, seguindo a mesma sina de vários colegas da época, que pegavam a estrada para tentar ganhar a vida e alguns deles acabaram na estrada mesmo perdendo-a.
Um certo dia, lembro como se fosse hoje, no mês de setembro encontrei com minha professora de Língua Portuguesa da 7ª série. Questionadora e instigando-nos a pensar como nos tempos de sala de aula, ela perguntou como andava a vida e, antes mesmo que eu terminasse de responder, ela me pregou um belo sermão. De que não deveríamos aceitar a situação como se fosse um sistema de castas, com um destino traçado e imutável, que haviam várias oportunidades e que deveríamos ir atrás, lutar pelo que é nosso por direito. Aí ela me apontou uma direção, falando de algumas universidades públicas e seus programas de assistência estudantil, mas que uma decisão daquelas exigiria muito esforço e renúncia.
Aquilo me deixou intrigado, conversei com meus pais, operários humildes e de baixa escolaridade, mas de retidão moral e dotados de valores que hoje em dia estão caindo em desuso, e eles me deram o que de melhor eles podiam me dar naquele momento. Apoio.
Alguns meses depois eu estava já arrumando um lugarzinho para o meu colchão no alojamento temporário da moradia estudantil da universidade, esperando a minha vaga. Foi um longo semestre dividindo o mesmo ambiente com 200 pessoas, numa cena que mais parecia um alojamento de desabrigados de uma catástrofe natural. Como eu ficava mais próximo das janelas quebradas, teve dia que acordei com geada sobre o cobertor, até o dia que saiu a vaga na Casa do Estudante Universitário, assim saímos do purgatório e fomos para a CEU, um local que, apesar de sua aparência externa e sua infra-estrutura por vezes precária, era uma fábrica que ajudava a produzir mais de 200 sonhos por ano. Quando imaginava que as dificuldades acabaram, não tinha noção de que elas estavam apenas começando a aparecer.
Mas e a música?
Escolhi “Somos quem podemos ser”, dos Engenheiros do Hawaii.
Por quê?
Porque um dia aquela professora do ensino fundamental me disse que as nuvens não eram de algodão, que os ventos às vezes erram a direção, e ao mesmo tempo ela me indicou as chaves que abrem essa prisão. Nos dias que se seguiram tudo ficou tão claro, um intervalo na escuridão. E com certeza o que estava por vir, no dia da formatura, seria um momento de embriaguez em meio a um país sedento.
E o que eu quero dizer com isso tudo?
Quero tentar passar o mesmo recado que eu recebi há 15 anos atrás. Que devemos perseguir nossos sonhos, não devemos nos conformar com uma normalidade aparente, de que universidade é pra rico, livro de pobre é cabo de enxada, dentre outras “verdades” que a gente não se cansa de ouvir, e sim buscar as oportunidades, pois elas existem, e lutar para alcançá-las.
Com isso creio que teremos cada vez mais e mais momentos de embriaguez, fazendo do nosso país um lugar cada vez menos sedento, e assim poderemos entregar aos nossos filhos, e aos filhos de nossos filhos, um país melhor do que aquele em que estamos. E eu tenho a firme convicção de que este caminho, esta mudança, passa obrigatoriamente pelos bancos de escola e pela melhoria na nossa educação.
Se foi isso mesmo que os Engenheiros do Hawaii quiseram dizer? Não sei, nunca procurei uma interpretação formal. Prefiro a minha. Tenho medo de me decepcionar.